MORRE O CANTOR E COMPOSITOR DOMINGUINHOS, AOS 72 ANOS.

SANFONEIRO E CANTOR DOMINGUINHOS
SANFONEIRO E CANTOR DOMINGUINHOS

 

SÃO PAULO – Depois de seis anos de luta contra um câncer de pulmão, morreu nessa terça-feira, às 18h, no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, o sanfoneiro Dominguinhos, um dos maiores músicos do Brasil. Depois de passar um mês internado em Recife, ele foi transferido em 13 de janeiro para o hospital da capital paulista. Ao longo do tratamento, Dominguinhos, que tinha 72 anos, apresentou insuficiência ventricular, arritmia cardíaca e diabetes. Ele faleceu de complicações infecciosas e cardíacas. O velório deve acontecer na quarta-feira em São Paulo, mas o corpo será enterrado em Recife. O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, decretou luto de três dias.

A viúva de Dominguinhos, Guadalupe Mendonça, lamentou a morte do companheiro:

– O que importa é que ele foi em paz. Os últimos três dias foram muito difíceis. A infecção não estava cedendo. Mas ele lutou bravamente. Passei os últimos seis meses no hospital. Essa convivência foi boa, ao lado dele, de minha filha (Liv Moraes). Ele enxergou coisas que antes não enxergava. Tenho uma comunicação espiritual com ele. Foram 40 anos juntos, sete deles na doença e os últimos sete meses de luta. É tudo o que consigo dizer agora – disse ela.

Bastante emocionado, Mauro Silva Moraes, filho do primeiro casamento de Dominguinhos, falou da humildade do sanfoneiro.

– Não tenho palavras para falar sobre o meu pai. Sempre fui apaixonado por ele. Queria ter a terça parte da humildade e o respeito que ele tinha pelas pessoas – disse Mauro, que já havia perdido a irmã mais velha, Madalena, anos atrás.

Os últimos dias de vida do músico foram passados em meio a disputas pela administração de seus bens. Em reportagem do programa de TV “Fantástico”, Mauro disse ser contra o fato de o pai ter passado uma procuração a sua esposa, Guadalupe Mendonça, para cuidar das suas finanças. “A mulher não mora mais com ele, está separada há muitos anos”, justificava. “Eu sou casada com Dominguinhos, mas a gente achou melhor morar separado”, rebateu Guadalupe.

 

Sucessor de Luiz Gonzaga

Tido como sucessor de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião (veja os dois tocando juntos neste vídeo), Dominguinhos fez uma carrreira de brilho próprio, com sua sanfona capaz de transitar com virtuosismo e graça por vários estilos musicais, e um talento como compositor que ficou evidente graças a clássicos como “Eu só quero um xodó” (de 1973, regravada em diversas línguas), “De volta pro meu aconchego” e “Tenho sede” (sucesso na voz de Gilberto Gil). Dominguinhos fez parcerias com grandes nomes da MPB, como Gil (“Lamento sertanejo”, “Abri a porta”), Chico Buarque (“Tantas palavras”, “Isso aqui tá muito bom”, “Xote de navegação”) e Djavan (“Retrato de vida”), além de acompanhar muitos deles, como instrumentista: Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, Maria Bethânia, Elba Ramalho, Rita Lee, entre outros.

José Domingos de Moraes nasceu em 1941, em Garanhuns, Pernambuco. O pai, mestre Chicão, tocava e afinava foles de oito baixos. Aos seis anos de idade, ele já tocava sanfona com dois de seus irmãos, sob a alcunha de Trio Três Pinguins, em feiras livres e portas de hotéis da cidade. Numa dessas, aos oito anos, acabou conhecendo Luiz Gonzaga. “Fomos até a pousada onde se hospedara e tocamos meu pai na sanfona, eu no pandeiro, meu irmão na zambumba. Ele gostou do que ouviu, escreveu num papel o endereço de sua casa em Nilópolis e disse para o procurarmos. Chegamos em julho de 1954, um mês antes do suicídio de Getúlio, e, mesmo tendo passado tanto tempo, Gonzagão nos recebeu e ajudou”, contou o músico, em entrevista. Foi o Rei do Baião, inclusive, que sugeriu a mudança do apelido de infância, Neném, para um nome mais artístico: Dominguinhos.

Aos 16 anos, o rapaz fez sua primeira gravação, tocando sanfona num disco do padrinho artístico, na música “Moça de feira”. No Rio de Janeiro, depois de se familiarizar com o samba e com o bolero, ele formou um grupo que se apresentava em dancings, boates e inferninhos nas zonas da malandragem, acompanhou artistas de rádio com o Regional de Canhoto. Voltou ao forró aos 21 anos, quando foi convidado a gravar um LP destinado ao público migrante nordestino. Em 1967, Dominguinhos seguiu com Gonzaga em uma excursão ao Nordeste, como sanfoneiro e motorista, e acabou fazendo parte do grupo da cantora pernambucana Anastácia, com quem acabaria se casando e com quem compôs várias músicas — entre elas, “Tenho sede” e “Eu só quero um xodó”.

Em 1972, quando caminhava com Anastácia pela Avenida São João, em São Paulo, o sanfoneiro foi interpelado por Guilherme Araújo, na época o empresário de, entre outros, Gal Costa, Gilberto Gil e Caetano Veloso, que perguntou se ele podia dar uma passada no Teatro Tuca. “Guilherme me disse que estava montando um grupo para as apresentações que Gal e Gil iriam fazer na feira Midem, em Cannes (na França), e, para minha surpresa, eles queriam uma sanfona para completar um grupo”, contou, certa vez o músico, que aí fez a sua entrada no seleto clube dos músicos da MPB. “Nos anos 1950 e início dos 1960, o Rio tinha um caminhão de sanfoneiros, mas levamos um chega pra lá da bossa nova, muitos desistiram ou tiveram que mudar para o piano ou os teclados em geral”, observou ele.

Em 1980, Dominguinhos participou do IIº Festival Internacional de Jazz de São Paulo. Anos mais tarde, ele chegaria às paradas de sucesso com as músicas “De volta pro meu aconchego” (em parceria com Nando Cordel, gravada por Elba Ramalho), e “Isso aqui tá bom demais” (gravada por ele com o parceiro Chico Buarque), que foram incluídas na trilha da novela “Roque Santeiro”. Em 2002, receberia o Grammy Latino de melhor disco regional, com o álbum “Chegando de mansinho”. Seis anos depois, foi o grande homenageado do Prêmio TIM de Música, e, em 2010, do Prêmio Shell. No mesmo ano, foi lançado o DVD comemorativo dos seus 60 anos de carreira, “Iluminado Dominguinhos”, gravado ao vivo, com as participações de Elba Ramalho, Wagner Tiso, Gilberto Gil, Yamandu Costa, Waldonys e Gilson Peranzzetta.

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